Um dia inesquecível!
De quando em quando, Marcos tinha umas daquelas ideias com o propósito de quebrar a rotina, mesmo que elas fossem anuais. Gostava do novo. Do renovo. Do inusitado. Dessa vez, surgiu-lhe, sabe lá o porquê, a ideia de passar o natal com a matriarca da família em um lugar inóspito, sem luz e água encanada.
- Amor, tem certeza de precisamos fazer isso? Afinal, é tradição passarmos o natal junto com a nossa família, mas aqui em casa.
- Ora, Ana...comemorar o Natal, mesmo que no interior com a vovó Gertrude, não é a mesma coisa que passar o natal em família?
- É! Mas...veja bem...
- Mas nada, meu bem. Nós iremos! Será bom sair da rotina, sem precisar quebrar a tradição.
- Marcos, lá tem mosquitos! Tenha dó de mim. Tenha dó das crianças.
- Aonde tem mosquitos tem aranha, sapos, lagartixas, e toda sorte de bichinhos a nosso favor. – disse marcos em um tom de risadinhas. - Ah! Qual é amor...vamos! Vai ser bom respirar novos ares.
Ana, sabendo que mesmo com todos os argumentos plausíveis no mundo, não conseguiria convencê-lo do contrário, apenas o olha com aquela olhar de baixo para cima, e com ar de inconformada, consente com a cabeça, mesmo não querendo consentir.
Chegando o dia da viagem, Marcos, Ana e as crianças revisaram suas bolsas e mochilas, verificaram se estavam a levar tudo o que precisavam, se, de fato, não estavam deixando nada para trás. Mesmo após a revisão feita por Ana, Marcos sempre dava um jeitinho de refazê-lo outra vez. Enfim...tudo estava pronto.
- E aí, amor, preparada? – perguntou-lhe Marcos de forma empolgante.
- E eu tenho alternativa?
- Mulher deixe disso. Tu vai ver só. Teremos um feriado daqueles.
- Quer parar de ficar fazendo zum-zum-zum no pé do meu ouvido, Marcos? Já não basta o zum-zum-zum que terei que suportar daqueles malditos mosquitos.
- Onde tem mosquitos sempre tem...
- Aranhas, sapos, lagartixas e toda sorte de bichinhos a nosso favor. Já sei! Já sei! – retrucava Ana de forma estarrecida. - Me faça o favor de não ficar repetindo isso.
- Está bem, mulher! Agora vamos que vamos, pois o tempo não para.
Deixando a cidade para trás, rumando ao centro da cidade, que estava num agito só, deram de encontro com tudo e todos. Desde de um Papai Noel ditando as promoções e liquidações de uma loja, aos mendigos espalhados suplicando esmolas daqueles que por eles passavam. Afinal, o espírito natalino, desperta um sentimentalismo nessa época do ano, e essa é o momento, por qual, aguardavam o ano todo.
A rua estava num congestionamento só. Parados próximo ao garajão, o táxi em que estavam não conseguia prosseguir viagem a partir dali. Preocupado com o horário, temendo em perder o barco, Marcos pergunta à Ana:
- Amor, que horas são?
- Oração só na igreja, meu bem. – responde-lhe Ana, sarcasticamente. Marcos olhou-a com aquele olhar que só os maridos sabem dar depois de vinte anos de casamento, o olhar semicerrado encharcado de indignação e ironia.
- Sei que não queria estar aqui, mas não precisa usar a pata pra responder.
- Sabe Marcos, melhor é ter patas que sarnas ou chifres. – retruca-lhe com raiva.
Olhando pela janela do táxi, os gêmeos alarmam alegremente.
- Mãe! Olha, é o papai Noel!
- Sim queridos! É o papai Noel! Lembrem-se, se forem sempre bonzinhos ele irá trazer presentes pra vocês.
- Mesmo se estivermos no interior, mãe? – indagam um dos meninos.
- Bem...nesse caso, acho que o papai Noel não gosta de mosquitos, e muito menos conseguirá achar a casa da vovó a noite, no escuro.
- Eu não quero mais ir para o interioooooooooooor...!!! – gritou um dos gêmeos, acompanhado pelo coro do outro, logo em seguida, é o chororô estava formado. Dois contraltos no choro, uma soprano cantando a Ilíada do desgosto nas mentes das crianças, e um tenor solando sua raiva contra a soprano. O coral da família Silva estava um belíssimo espetáculo de casos de família.
- Moço...acho que desse ponto em diante o carro não passa.
- Tem certeza?
- Tenho sim! Agora, se o Sr. quer pegar o barco a tempo, acho melhor ir andando.
A família Silva saiu do táxi. Estavam armados de bolsas, chororô de duas pequenas criaturas, o descontentamento de uma, a determinação de um outro, e assim, deram continuidade à odisseia.
Muitas pessoas estavam de passagem por aquele caminho. Mas, a maioria estava ali a trabalho. Era grito pra lá, era grito pra cá, e esbarrões...quantos esbarrões...
Numa espécie de labirinto humano, os Silva tentaram achar uma saída do meio daquela multidão.
- Nossa que sufoco!
- A culpa é toda sua!
- Lá vem você...
- É! Vou mesmo! Não fosse essa ideia de natal na mata, não estaríamos aqui no atacadão do queima minha paciência, tendo que aguentar esses dois chorando.
- Pera lá! A culpa é toda sua por eles estarem assim. Custava dizer que o Papai Noel também passava nas casas do interior?
- Chega! Não vou mais discutir isso com você.
- Aaaahhhh!!! Eu não quero ir.
- Aaaahhhh!!! Nem eu.
Com a paciência chegando ao grau zero, Marcos busca uma alternativa para calar o choro dos filhos.
- Ele vai aparecer sim! A mamãe esqueceu que papai Noel tem GPS.
Um coro soou.
- E...ele tem? – perguntaram as crianças, incrédulas.
- Tem sim! E é um GPS ultramoderno. – enfatizou o pai
- Uauuuu!!!
A mãe bem que quis acabar com a mentira do pai, mas ouvi-los para de chorar aos gritos, era bem melhor que aumentar a intensidade do choro.
- Enfim...chegamos!
- Pensei que não sairia mais do meio daquele povo. Ô, coisa louca, viu!
Entraram no barco Becil, acomodaram suas bolsas, armaram as redes, e esperaram pela hora da partida.
- Olha o PICOLÉ! É o PICOLÉ da massa! Só setenta e cinco centavos! – era o que repetia o homem do picolé.
- Pai, eu quero picolé!
- Eu também quero!
- Amor, eu também vou querer. Depois do sufoco que passamos, um picolé cairia bem.
- Ei, moço, quero quatro picolés!
- Vocês vão querer de quê? Tem de goiaba, taperebá, Tucumã, maracujá, buriti, açaí, morango, chocolate, coco, milho verde, neston, menta e flocos.
- Vou querer de menta! – respondeu um dos gêmeos, com os olhos brilhando.
- Eu também vou querer de menta! – falou o outro do mesmo modo.
- Você vai querer de quê, Ana?
- Goiaba.
- Eu quero um de buriti.
- Aqui está.
- Obrigado!
E lá se foi o homem do picolé anunciando aos gritos sua mercadoria.
O motor do barco ronca. Já estava na hora de partir. Marcos, Ana, Guilherme e Gustavo acomodam-se para observar o barco a distanciar-se da cidade, torando-a pequena e distante. O rio pouco agitado faz o barco, vez ou outra, balançar um balanço gostoso, que só os banzeiros conseguem. A água negra é barrada pela força e densidade da água cor de café com leite. Lá estavam eles a contemplar o encontro das águas. O famoso encontro do Rio Negro e Solimões.
Horas depois, anestesiados pela beleza natural em volta, o sono batia, e conduzia principalmente as crianças, a suas redes para dormir. A mãe também deitada numa outra, não para dormir, mas para deleitar sua mente em uma boa história; lia um livro de sua preferência. Já o pai, continuava sentado, no mesmo lugar, com o semblante regozijando e contemplando satisfeito a ideia que pôs em prática.
O barco levou a família Silva ao seu destino: a casa da vovó Gertrude, que assava um bolo de macaxeira naquele instante.
Já era tarde. O sol estava se pondo quando chegaram.
Marcos, Ana e as crianças desceram do barco com suas inúmeras bolsas. Seguindo em direção à casa, deparam-se com a comprida escada daquela humilde, porém aconchegante casa. Subiram-na. À porta da casa, hesitaram um pouco. Bateram palma, depois, de forma uníssona, chamaram pelo nome da dona da casa.
- Vovó Gertrude!!!
Reconhecendo as vozes, vovó Gertrude sai apressadamente da cozinha, e direciona-se a sala, para receber a inesperada visita.
- Vovó Gertrude! Que bom ver a senhora! – Disse Ana, abraçando-a assim que a viu.
- Vovó...vovó...vovó..vovóóó... Viemos passar o natal com a senhora. E adivinhe só?! Papai Noel virá nos visitar. – chama-lhe a atenção um dos gêmeos.
- Meus amores...como vocês cresceram desde a última vez que os vi. – disse a pobre velhinha, emocionada. - É mesmo? Papai Noel irá nos visitar?
- Sim, vovó! Ele virá, vovó! – responde o outro animadamente.
- Que bom! Então teremos a visita do bom velhinho. – disse a vovó com animadamente.
Marcos olha para aquela humilde senhora de cabelos brancos, baixinha, com aparência maltratada pelo tempo e pelo campo, mas de um sorriso e felicidade sem igual estampada no rosto.
- Sua bênção vovó! – ele o pedi de forma carinhosa.
- Deus o abençoe meu filho!
Ele em seguida a abraça. Abraça aquela mulher que lhe fora avó e mãe. Aquela mulher que mesmo tendo tão pouco, ofereceu o melhor que tinha para que aquele homem pudesse crescer e vencer na vida.
Depois de guardarem seus pertences num quarto vazio, que havia na casa, Ana e Marcos foram para a cozinha ajudar a vovó Gertrude na preparação da ceia, enquanto as crianças brincavam com suas lanternas na sala. Tudo estava perfeito. Até os mosquitos, os quais tanto Ana mencionava, pareciam ter dado trégua. Algumas velas foram acessas na cozinha, e no corredor. Ana e vovó Gertrude foram temperar alguns peixes, já Marcos decide temperar o peru. Foi até as sacolas das compras, quando soltou um grito de espanto:
- CADÊ O PERU?
A verdade é que o peru havia ficado no barco. Estava escondido entre as bagagens dos Silva e de uma montanha de bolsas de uma outra família.
Ana olhando por cima do ombro disse ao marido:
- Ora? Ele deveria estar aí.
- É...mas, não está!
- Acalmem-se! – disse a vovó. - O peru pode não ter vindo, mas vocês estão aqui, e é isso que me importa. Comemorar com vocês esse dia é o presente que pedi a Deus há muitos anos.
E numa mesma emoção, eles se abraçaram, e com a boa vontade e o espírito de união, festejaram não o natal, mas, aquele dia inesquecível.
(Meyre Almeida Dos Santos)
#plágioécrime!
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